PARALISIA INFANTIL
Os anos setenta do século passado assistiram o fim de uma praga que, por muitos anos, devastou a humanidade, a varíola. Apesar da disponibilidade e eficácia da vacina, desde o século XIX, para a prevenção específica desta doença, a proteção da população mundial só foi alcançada quando os países, coordenados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), resolveram fazer uma campanha que envolvia toda a comunidade. A vacinação consistia na introdução da vacina antivariólica nas camadas superficiais da pele, na face externa da parte superior do braço. O último caso relatado no mundo ocorreu em outubro de 1977 (Publicação Científica, OPAS, 442). E os epidemiologistas do Rio Grande do Sul fizeram a sua parte, e tiveram a oportunidade de assistir o fim de uma doença.
O novo desafio seria uma doença que incapacitaria e mataria nossa gente, mas havia uma vacina, de fácil aplicação. Bastaria vacinar todas as nossas crianças. Era a paralisia infantil, ou poliomielite, doença infecto-contagiosa, caracterizada por uma paralisia flácida de início súbito, causada por um póliovirus, e transmitida pelo contato direto pessoa à pessoa, e que deixa sequelas paralíticas, podendo levar à morte.
A doença era estigmatizante. Só em 1954, Jonas Salk descobriu a vacina que poderia ser tomada no primeiro ano de vida. Alguns anos depois, Albert Sabin descobriu a vacina via oral, duas gotas, em três doses. Prevenia contra a paralisia infantil. Se a descoberta de Salk fora fundamental, a de Sabin (1960) facilitava, em muito, a vacinação em massa de crianças.
Enquanto a paralisia estava erradicada nos países desenvolvidos, nas regiões subdesenvolvidas muitos, ainda, ficariam incapacitados, e outros morreriam. A dúvida existente era se levaríamos para erradicá-la o mesmo tempo que levamos para erradicar a varíola, ou seja, em torno de 170 anos.
O mundo, no entanto, era outro. A tecnologia, a eletricidade, os transportes aéreos, fluviais, terrestres, o rádio, a telefonia, a televisão, enfim, o mundo do último quartel do século XX dava condições e viabilizava soluções inimagináveis em anos anteriores.
No Rio Grande do Sul, durante o Governo Triches (1971-1979), o Secretário da Saúde, Jair Soares, com o apoio da Organização Pan-Americana de Saúde e da fundação SESP-Ministério da Saúde, determinou um trabalho, elaborado por grupos multiprofissionais, que representavam áreas de responsabilidade programática na Secretaria da Saúde, que teve como conclusão a publicação, em 1972, da Análise Institucional e Programação de Atividades 1972-74. Analisando-se os dados do programa executado nos anos de 1970-71, constata-se que apenas
18% da população menor de 1 ano foi vacinada contra a pólio com as 3 doses recomendadas. Sabe-se que numa área onde esta doença é endêmica, esta cobertura é insuficiente para o controle da doença. Consequentemente, a forma como estão sendo desenvolvidas estas atividades de controle não alcançam as metas tecnicamente aceitáveis. A vigilância epidemiológica introduzida quando da campanha de erradicação da varíola mostrou-se um instrumento sensível para detectar as falhas na cobertura à população com agentes imunizantes, e apontar soluções para diminuir a incidência e prevalência das doenças transmissíveis passíveis de serem controladas por vacinas.
Por outro lado, a capacitação das Delegacias Regionais de Saúde, com área física adequada, equipamentos, viaturas, telefones, e recursos humanos, tanto de nível universitário quanto de nível médio, fez com que os diversos Programas de Saúde Pública fossem melhor executados pelas Unidades Sanitárias. Estas, em número de 258, espalhadas pelos 232 municipios do estado, em 1971, para atender uma população de 6.670.382 pessoas foram melhorando gradativamente, e aperfeiçoando o seu desempenho.
Os meios de comunicação, jornais, rádios e, principalmente, a televisão ajudaram a levar as informações sobre a paralisia infantil, e as pessoas começaram a perceber que havia uma forma de evitar a doença.
No apagar das luzes do governo Jair Soares, o Secretário da Saúde, Sérgio Bechelli, apresenta à comunidade rio-grandense a publicação A Saúde no Rio Grande do Sul, a qual faz um balanço da situação da saúde e do meio-ambiente do Estado. O editor responsável pelo livro é o médico Moacyr Scliar que, à página 48, aborda a questão da poliomielite: “Até o ano de 1971 só eram conhecidos os casos notificados. A partir de 1971, com a instalação do sistema de vigilância epidemiológica da poliomielite passou-se a caracterizar os casos confirmados. Neste ano, também iniciou-se a vacinação sistemática, tendo a cobertura vacinal aumentado gradualmente de 29,1% em 1973 para 86,6%, em 1986. Neste período, houve uma redução sensível do número de casos (de aproximadamente 80 casos confirmados, em 1971, para zero em 1985). A introdução dos dias nacionais de vacianação, a partir de 1980, foi fundamental para esta queda. Em 1979, Jair Soares se elege deputado federal e, em seguida, assume o Ministério da Previdência, ficando como secretário da saúde o Dr. Germano Bonow (1979-1987).
O grupo de epidemiologistas da Unidade de Vigilância Edpidemiológica, que acompanhou a erradicação da varíola, deu sustentação técnica ao trabalho das regionais de saúde e das unidades sanitárias na luta contra a pólio. O médico coordenador das atividades era o Dr. Clóvis Tigre, que no final dos anos 70 foi para o OPAS (A Organização Pan-Americana da Saúde), em Washington.
A decisão das autoridades nacionais, estaduais e municipais de controlar a doença foi acompanhada pela comunidade brasileira. O Rotary, associado à Organização Mundial da Saúde, à UNICEF e ao governo brasileiro assumiu o compromisso de financiar a vacina para imunizar as crianças brasileiras.
A publicação, Doenças Infecciosas e Parasitárias, 8ª edição, do Departamento de vigilância Edpidemiológica, Ministério da Saúde, publicada em 2010, em sua página 330, diz: “Esta doença foi de alta incidência no Brasil e em outros países das Américas, deixando milhares de indivíduos com sequelas paralíticas. Em 1989, registrou-se o último caso no país, após um período de grandes campanhas vacinais e intensificação das iniciativas de vigilância epidemiológica. Em 1994, a OPAS certificou a erradicação, para o Brasil e as Américas, da transmissão autóctone do póliovirus selvagem.”
Atualmente, o póliovirus continua circulando, de forma endêmica, ou como casos esporádicos, ou, ainda, com a propagação de surtos, em 18 países, distribuídos pelo continente africano e sudeste asiático, sendo considerados endêmicos e com maior concentração de casos: Índia, Nigéria, Paquistão, e Afganistão, o que impõe a manutenção de uma vigilância epidemiológica permanente e uma vacinação eficaz que seja capaz de manter erradicada a circulação do póliovirus selvagem no Brasil.
Referências Bibliográficas
- · Profilaxia das Doenças Transmissíveis – OPAS, 1962
- · Controle das doenças Transmissíveis – OPAS, 1983
- · El Control de las Enfermedades Transmisibles – OPAS, 2001
- · Arquivos do Departamento Estadual de Saúde – Gov. RGS, v. 4, 1943
- · A Saúde no Rio Grande do Sul – Gov. RGS, 1987
- · A Assustadora História de Pacientes Famosos e Difíceis – Richard gordon, Ed. Record, 1999.
- · Memória da PólioPlus no Brasil – Comissão Nacional PólioPlus, Rotary Club, 1996.
- · Análise Institucional e Programação de Atividades – Gov. RGS, 1972
- · Doenças Infecciosas e Parasitárias – Ministério da Saúde, Brasil, 2010