Progressos Tecnológicos e Medicinas de Ponta
O transplante de órgãos no Brasil já é uma realidade. Cerca de 800 equipes realizam mais de 18 mil procedimentos por ano, substituindo com bons resultados rim, fígado, coração, pulmão, pâncreas e córnea.
Entretanto, apenas pequena parte da demanda é atendida. As listas de espera incluem cerca de 70 mil inscritos e, além disso, mais de 80% dos transplantes são realizados apenas em 10 estados. Entre os outros 16, com 46 milhões de habitantes, a maioria não realiza transplantes de qualquer tipo e, portanto, sem lista de espera que permita avaliar a demanda não atendida correspondente.
Dois fatores principais são responsáveis pelo atendimento insuficiente: baixa captação de órgãos e concentração de equipes transplantadoras nas regiões com mais recursos econômicos. Muito se tem feito para aumentar a captação e pouco, ou quase nada, para corrigir a distorção regional. Entretanto, se esta não for corrigida concomitantemente ao aumento previsto do numero de enxertos, estaremos acentuando cada vez mais a desigualdade de atendimento entre os que necessitam desse tratamento.
A melhor maneira de uniformizar a distribuição dos centros é induzir a formação de equipes nos estados mais distantes transferindo progressivamente a tecnologia dos grupos com maior experiência de regiões com programas mais desenvolvidos.
Essa abordagem, óbvia do ponto de vista teórico, se torna agora mais exeqüível graças aos recentes progressos tecnológicos que facilitam a comunicação à distância e que têm exercido, em períodos de tempo muito curto, efeitos marcantes em todas as atividades humanas. Na área médica esses progressos são potencializados pelo recente desenvolvimento da telemedicina que acrescenta imagens à comunicação da voz e da escrita. Permite discussão de casos clínicos por teleconferências interativas, telediagnóstico por imagem e mesmo assistência médica integral à distância. Visando menor custo, os hospitais de pequeno e médio porte dos EUA transmitem suas imagens a centros credenciados na Índia, de onde, em poucas horas, são devolvidas já com os laudos respectivos. Na Suécia, uma rede de telecomunicação interativa permite que os médicos responsáveis por pacientes internados em hospitais regionais das ilhas do Mar Báltico discutam os casos mais complexos com especialistas do Centro Universitário Karolinska em Estocolmo para onde, se necessário, são transportados para tratamento.
No Brasil, muitos centros já empregam a telecomunicação didática e teleconferências para segunda opinião em situações clínicas isoladas. No que diz respeito à teleinterpretação de exames, em Uberlândia, o cardiologista Roberto Botelho, do Instituto do Coração do Triângulo Mineiro, estruturou uma rede de telecomunicação entre o Instituto e 360 municípios menores da região para leitura de eletrocardiogramas. Os centros periféricos enviam os traçados ao Instituto que em tempo real os devolve devidamente interpretados. Já foram analisados cerca de 400 mil traçados com aprimoramento do tratamento do infarto do miocárdio em toda a região.
Esse cenário define uma oportunidade para, por meio de assistência médica integral à distância, desenvolver pólos regionais de transplante nas regiões com menos recursos. Especialistas com programas bem alicerçados em transplante de diferentes órgãos (pólo central), discutirão, rotineiramente, por telecomunicação interativa, casos escolhidos pelos médicos dos hospitais locais (pólos regionais). Havendo indicação, os pacientes podem ser transferidos para um centro de referência e assim terem a mesma oportunidade de transplante dos candidatos das regiões mais favorecidas e, conforme o protocolo adotado pelo centro transplantador, com doador vivo ou com doador falecido. Na hipótese de transplante intervivos também serão analisados potenciais doadores locais. A transferência dos pacientes, e eventualmente dos doadores, poderá ser efetuada pelos setores “Tratamento Fora do Domicilio (TFD)” e “Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade (CNRAC)” do Ministério da Saúde, que já disso se ocupam.
Para isso deverá ser estruturada uma rede de telecomunicação interativa entre o centro de referência (pólo central) e os hospitais dos estados alvo (pólos regionais). No inicio, e na medida do possível, será aproveitada a estrutura já existente da rede universitária de telemedicina (RNP) que já inclui 40 hospitais conectados.
Um dos pólos centrais poderá ser localizado em São Paulo uma vez que dispõe de estrutura e equipes com experiência sedimentada em transplante de todos os órgãos, bem como os processos de captação e alocação de órgãos que demanda alinhamento de atividades multidisciplinares. No futuro poderá dispor de instalação própria (Instituto de Transplante de Órgãos) nos moldes do Instituto do Câncer recentemente sugerido pelo Governo do Estado.
A centralização dos transplantes de diferentes órgãos num único centro permitirá o uso de uma infra-estrutura comum já que todos apresentam características semelhantes. Serão obtidos melhores resultados, economia de escala e desenvolvimento tecnológico adicional.
A experiência com o intercâmbio entre equipes mais experientes e outras em formação na mesma região geográfica, mostra que o emprego rotineiro dessa prática despertará, nos pólos regionais, o interesse de jovens cirurgiões para, progressivamente, desenvolver centros autóctones.
Desde sempre soubemos que a medicina de ponta deve incluir atividades integradas de ensino, assistência e pesquisa. A sistemática proposta poderia modificar essa tríade clássica para outra incluindo ensino, assistência e desenvolvimento.